domingo, 9 de março de 2014

Alteridade, violência e mídia.


A mídia contribui para divulgação e reflexão sobre diversas temáticas, principalmente sobre a violência urbana, uma vez que as notícias que envolvem esse tema são bastante comentadas pelos meios de comunicação e consequentemente pela população. A grande quantidade de notícias envolvendo a violência urbana fazem, mesmo que de forma inconsciente, que as pessoas assumam a violência como algo normal, corriqueiro.

A mídia, mais especificamente os telejornais, deixam de assumir um papel de observadora e narradora dos atos de violência nos grandes centros urbanos e passam a agir também como responsável. Em países com um índice alto de desigualdade social, como o Brasil, a violência apresentada pela mídia parece ter mais impacto na sociedade.

Um caso recente que obteve grande repercussão nos telejornais brasileiros foi sobre o adolescente negro acusado de praticar roubos e furtos, no bairro Flamengo no Rio de Janeiro, onde foi espancado e preso nu pelo pescoço a um poste com uma trava de bicicleta por três homens no Rio de Janeiro, considerado os "justiceiros".

Analisando o discurso cedido pela jornalista Rachel Sheherazade, âncora do jornal SBT Brasil, o que se tem é uma construção de representação do criminoso, o outro, fora das perspectivas da alteridade. Segundo a jornalista:

 “O marginalzinho amarrado ao poste era tão inocente que, ao invés de prestar queixa contra seus agressores, preferiu fugir antes que ele mesmo acabasse preso. É que a ficha do sujeito está mais suja do que pau de galinheiro”.

Com um discurso fácil que se diz em defesa da sociedade de bem, a jornalista se mostra em defesa aos “justiceiros” reforçando atos de violência e criando uma representação do criminoso, como alguém fora dos padrões normais da sociedade, que deve ser isolado com convívio ou até mesmo exterminado, como se não fosse fruto de uma sociedade desigual. A jornalista atribui os atos de violência urbana a ineficiência policial.

“As representações do outro em tempos de crise refletem uma profunda divisão entre um nós correto e um eles desordenado (...) A construção do outro como poluído e poluidor, fora do controle e perverso, é motivada pela necessidade de manter o sentimento de retidão, de ordem e controle”. (Joffe, 1999, p. 124)

No discurso de Rachel Sheherazade, todas as características negativas são jogadas para o rapaz amarrado ao poste, como justificativa a atitude dos possíveis “justiceiros”. “A necessidade de manter o controle parece ser satisfeita através da degradação do outro indesejado.”( Ramos, 2003)

O outro, nesse caso o rapaz amarrado ao poste, é visto como algo que deve ser eliminado, banido de imediato a fim de proporcionar tranquilidade aos demais. Um rapaz negro e pobre, que reforça o discurso que a culpa pela existência de crimes está associada à pobreza, nessa relação de alteridade e violência é possível analisar a crítica convivência entre as classes sociais e a existência de racismo e preconceito.

Atitudes como a da artista plástica Yvonne Bezerra de Melo que se mostrou em “defesa” ao rapaz amarrado e as atitudes dos direitos humanos parecem ser banidas pela maioria da sociedade, que tendem a criticar que os direitos humanos estão apenas para os criminosos, um discurso muito reforçado pela mídia e que não condiz com a realidade. Não se pretende eliminar do criminoso as consequências das suas atitudes, mas de procurar que seja realizada a justiça de forma ética e humana.

O outro, o criminoso, não pode ser compreendido como algo isolado construído pela individualidade, sem que houvesse uma interação social muitas vezes marcada pela exclusão social e desigualdade, que por agir de maneira que vai de desencontro as regras vigentes deve ser eliminado.

A mídia como formadora de opinião deve agir como mediadora, agindo como um meio de reflexão sobre a violência urbana, sem encarar a violência como algo banal e os considerados criminosos como uma anomalia da sociedade.



                            O outro, um jovem negro e pobre amarrado a um poste acusado de roubo.


Maria Amanda.

A Democratização da Comunicação, na Luta Contra o Estereótipo e o Preconceito

Como a democratização da mídia ajudaria no combate ao preconceito e ao processo de estereotipia tão presente na comunicação brasileira, em relação às minorias políticas no Brasil? Basta percebermos e realizarmos uma reflexão: Quando nós vemos os povos indígenas ou quilombolas, por exemplo, representados em um programa de TV aberta - É praticamente nula a produção de conteúdo (embasado e coeso) voltados para certos setores da sociedade - Os indígenas por exemplo, são postos de maneira (erroneamente) humorística, por supostamente "não saberem falar corretamente", ou o negro, marginalizado e relacionado a má educação, nas telenovelas brasileiras.
A televisão já faz parte da cultura brasileira e é a principal fonte de informação e formadora de opinião da sociedade. Porém, existe um grande problema causado pelos grandes monopólios das empresas de comunicação do país, que dominam as TV's, rádios e jornais impressos: A falta da diversidade dos pontos de vistas na comunicação, causada pelo o acúmulo de poder nas mãos de poucos que "dominam" a informação no país.
A autora Eclea Bósi, explica no seu livro: O tempo vivo da memória, como se dá o processo de estereotipia:
"Quando entramos em um ambiente novo, de estimulação complexa, passamos por instantes de atordoamento. Tudo é uma mancha confusa que hostiliza os sentidos. Aos poucos, as coisas se destacam desse borrão e começam a nos entregar o seu significado, à medida da nossa atenção. É o trabalho perceptivo, que colhe as determinações do real, as quais se tornam estáveis para o nosso reconhecimento, durante algum tempo.
Essa colheita perceptiva, relação de trabalho e de escolha entre o sujeito e o seu objeto, pode sofrer um processo de facilitação e de inércia. Isto é, colhem-se aspectos do real já recortados e confeccionados pela cultura. O processo de estereotipia se apodera da nossa vida mental."

E são esses recortes  confeccionados do real, que nos são apresentados e repercutidos pelos meios de comunicação, sobre uma cultura, fatos, ou minorias, a falta de diversidade nas informações que nos são dadas ajudam a reforçar certas definições congeladoras, ou estereótipos por muitas vezes preconceituosas.

A luta pela democratização da comunicação vem para combater o comportamento da mídia atual, afim de fazer valer de fato a liberdade de expressão e a democracia na produção de contudo em comunicação, com variedade, diversidade etno-racial, de gênero e orientação sexual. A pluralidade também faz parte da luta pela democratização, combatendo os monopólios das empresas de comunicação e estimulando a produção local. 



fonte: http://paraexpressaraliberdade.org.br/

¿De tod@s para tod@s?

O ¿DE TOD@S PARA TOD@S? É uma série de documentários realizados pela cooperativa de trabalho audiovisual Booooo e financiados mediante crowdfunding, que tratam de examinar a situação dos serviços públicos essenciais da Espanha.




O projeto é destinado aos cidadãos da Espanha que queiram entender as diferenças por trás dos modelos de gestão pública e privada dos sistemas de saúde e educação. Longe de uma linguagem técnica ou prolixa, busca tornar a informação acessível para aqueles que desejam compreender os detalhes da gestão e administração dos recursos de saúde e educação do país com o objetivo final de todos a tomar sua posição de forma livre e informada.


Tolerar a existência do outro,
E permitir que ele seja diferente,
Ainda é muito pouco.
Quando se tolera,
Apenas se concede
E essa não é uma relação de igualdade,
Mas de superioridade de um sobre o outro.
Deveríamos criar uma relação entre as pessoas,
Da qual estivessem excluídas
A tolerância e a intolerância.”
(José Saramago)



O que é alteridade? É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem.


A nossa tendência é colonizar o outro, ou partir do princípio de que eu sei e ensino para ele. Ele não sabe. Eu sei melhor e sei mais do que ele. Toda a estrutura do ensino no Brasil, criticada pelo professor Paulo Freire, é fundada nessa concepção. O professor ensina e o aluno aprende. É evidente que nós sabemos algumas coisas e, aqueles que não foram à escola, sabem outras tantas, e graças a essa complementação vivemos em sociedade. Como disse um operário num curso de educação popular: "Sei que, como todo mundo, não sei muitas coisas".


Numa sociedade como a brasileira em que o apartheid é tão arraigado, predomina a concepção de que aqueles que fazem serviço braçal não sabem. No entanto, nós que fomos formados como anjos barrocos da Bahia e de Minas, que só têm cabeça e não têm corpo, não sabemos o que fazer das mãos. Passamos anos na escola, saímos com Ph.D., porém não sabemos cozinhar, costurar, trocar uma tomada ou um interruptor, identificar o defeito do automóvel... e nos consideramos eruditos. E o que é pior, não temos equilíbrio emocional para lidar com as relações de alteridade.


Daí por que, agora, substituíram o Q.I. para o Q.E., o Quociente Intelectual para o Quociente Emocional. Por quê? Porque as empresas estão constatando que há, entre seus altos funcionários, uns meninões infantilizados, que não conseguem lidar com o conflito, discutir com o colega de trabalho, receber uma advertência do chefe e, muito menos, fazer uma crítica ao chefe.


Bem, nem precisamos falar de empresa. Basta conferir na relação entre casais. Haja reações infantis...


Quem dera fosse levada à prática a idéia de, pelo menos a cada três meses, um setor da empresa fazer uma avaliação, dentro da metodologia de crítica e autocrítica. E que ninguém ficasse isento dessa avaliação. Como Jesus um dia fez, ao reunir um grupo dos doze e perguntar: "O que o povo pensa de mim?" E depois acrescentou: "E o que vocês pensam de mim?"


Quem, na cultura ocidental, melhor enfatizou a radical dignidade de cada ser humano, inclusive a sacralidade, foi Jesus. O sujeito pode ser paralítico, cego, imbecil, inútil, pecador, mas ele é templo vivo de Deus, é imagem e semelhança de Deus. Isso é uma herança da tradição hebraica. Todo ser humano, dentro da perspectiva judaica ou cristã, é dotado de dignidade pelo simples fato de ser vivo. Não só o ser humano, todo o Universo. Paulo, na Epístola aos Romanos, assinala: "Toda a Criação geme em dores de parto por sua redenção".


Dentro desse quadro, o desafio que se coloca para nós é como transformar essas cinco instituições pilares da sociedade em que vivemos: família, escola, Estado (o espaço do poder público, da administração pública), Igreja (os espaços religiosos) e trabalho. Como torná-los comunidades de resgate da cidadania e de exercício da alteridade democrática? O desafio é transformar essas instituições naquilo que elas deveriam ser sempre: comunidades. E comunidades de alteridade.


Aqui entra a perspectiva da generosidade. Só existe generosidade na medida em que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então sou capaz de entrar em relação com ele pela única via possível – porque, se tirar essa via, caio no colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou - a via do amor, se quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se quisermos usar uma expressão moral. Ou seja, isso supõe a via mais curta da comunicação humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de vida e da sua interioridade.


Fonte: http://revolucoes.org.br/v1/conferencia/alteridade

Marinaleda

        Marinaleda é um município da Espanha que fica na província de Sevilha, comunidade autónoma de Andaluzia, de área 25 km² com população de mais ou menos 3000 habitantes. Marinaleda se destaca dos demais municípios por não conhecer o desemprego e viver à sombra de sua cooperativa agrícola, isso fruto de um modelo econômico no qual a participação do povo e a igualdade são prioridades.


Em Marinaleda não há polícia e as decisões políticas são tomadas em uma assembleia em que todos os habitantes participam. Os orçamentos votam-se em plenários públicos e as pessoas juntam-se em assembleia para aprovarem as despesas que se realizam. O salário de todos os trabalhadores, seja qual for o seu cargo, é de 47 euros por dia, seis dias por semana, ou seja, uma média de mil 128 euros por mês por 35 horas semanais.


Um breve documentário sobre Marinaleda:


        

Mergulhando na religiosidade de várias partes do mundo, a escola de samba Mocidade Alegre escolheu como enredo desse ano "Andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar!", assinado pelos compositores Ana Martins, China da Morada, Douglas Sabião, Marcio Bueno, Rodriguinho e Victor Alves, e encantou o público ao tratar sobre os diferentes modos de vivenciar a fé.




A escola vestiu várias de suas alas com elementos de religiões como o judaísmo, o candomblé, o islamismo, o espiritismo e crenças indígenas. Também foi levado à avenida elementos da superstição, como o gato preto, a numerologia e o horóscopo.






A escola, em sua apresentação, mostrou diversas faces da fé dividindo-a em os elementos que representam a fé, e como ela pode mudar a vida das pessoas; os templos como um lugar onde os homens professam sua fé, com destaque para diferentes homens de fé e sacerdotes; a fé como o equilíbrio entre o mundo terreno e o resto do universo, no qual se sustentam as crenças; o mercado da fé: a comercialização de produtos religiosos e o proveito que alguns líderes de igrejas tiram da fé alheia; e, por fim, induziu o público a buscar dentro de si a força interior para conseguir superar as barreiras e obstáculos que a vida apresenta.




quinta-feira, 6 de março de 2014

Namaste




Deus, ou o Espírito Criador; o Grande Arquiteto da Maçonaria, o Aion teleos, ou Mônada dos Gnósticos. A Primeira Causa, a hipótese necessária na qual se ligam todas as teorias. O Homem, ou Espírito Criado, cuja a vida aparentemente começa e termina, mas cujo o pensamento (alma) é imortal. O Mediador, ou Cristo homem, Deus humanizado pelo trabalho e pela dor. “O homem, nada podendo conceber acima de si mesmo, idealiza-se para conceber Deus.” (Alphonse Louis Constant. 1810-1875). Cristo, por seus pensamentos e virtudes, realizou este ideal. É através do Cristo que se deve estudar Deus; ele que é, também, o modelo da humanidade. E quem é Cristo se não o Homem?

“O homem é o filho de Deus, porque Deus, manifestado, é chamado o filho do homem. Foi depois de ter feito Deus em sua inteligência e seu amor que a humanidade compreendeu o verbo sublime que disse: ‘Faça-se a luz!’” (Alphonse Louis Constant. A Ciência dos Espíritos.)

Quando buscamos nos conhecer, acabamos por conhecer o outro. Tomamos noção de quem somos nós quando compreendemos quem é o outro. Segundo Leopoldo e Silva, a busca da identidade (conhecimento de si) é ao mesmo tempo a tentativa de conhecer o outro. Como explica Santo Agostinho em suas Confissões (354-430), um itinerário para Deus é também uma trajetória em que o indivíduo vai ao encontro de si. Quando se volta para si (para a sua interioridade), o ser humano encontra Deus na própria alma: é a conversão. A razão para esta afirmação é que, segundo Santo Agostinho, Deus habita o mais profundo de nossa alma. É olhando para dentro que se pode encontrar a si mesmo e a Deus.

Entre mim e Deus, no entanto, a relação é de alteridade. Por alteridade entendemos que é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e é interdepende do outro. A existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro. E não há nada mais antagônico e oposto do que a relação entre um ser finito (criatura) e um ser infinito (o criador). Deus é o Outro Absoluto. Então, como explicar, mesmo com toda essa diferença, a convergência da busca de si e de Deus? Talvez a resposta para essa questão encontre-se na criatura. Deus, como criador, é a causa maior da minha existência e não posso descobrir quem sou sem me referir a Ele. Partindo desta lógica (que provenho de Deus), logo minhha identidade finita transcende além de mim em direção a este Outro Absoluto e infinito e se realiza completamente por ser Ele a razão do meu ser. Só me encontro verdadeiramente econtrando a Deus, porque minha identidade está nele.

Descartes reflete sobre esse paradoxo quando diz “penso, logo existo”; o que sou bem como o que posso saber de mim se completam no encontro com o Outro (Deus). A filosofia de Descartes encontrou a ideia de infinito, que possui uma característica própria de ser maior que a própria mente que a pensa e a conceitua e que, portanto, não poderia ter sido produzida pela consciência de um ser finito. Ao constatar a própria existência, não nos deparamos com outras consciências igualmente finitas, mas a Deus, o Outro Absoluto e infinito. Isto porque eu mesmo, ser finito, poderia ter criado correspondências igualmente finitas, uma vez que são compatíveis comigo em grandeza. Eis a razão pela qual não chego a Deus através dos outros, mas posso chegar aos outros através de Deus. Na logica de Descartes, o Outro (que é Deus) vem antes do outro que seria outro eu finito.

Diferente de Santo Agostinho, onde encontramos em nós a presença de Deus, em Descartes encontramos a marca de Deus em nós, a sua ideia, o sinal que Ele deixa em nós para que possamos encontrá-lo. E esse sinal é mais claro que a representação de outros seres com os quais compartilhamos a mesma natureza finita.

Somos um



Durante toda a minha vida aprendi que Deus é um Ser que está no céu, em um lugar específico e inalcansável. Mas tenho lido, até na própria bíblia, que Deus está dentro de mim, está na natureza, fora dela e que Ele não faz nada para mim. Ele se revela através de mim. E quem espera o contrário acaba por se sentir magoado e termina por acreditar que não existe Criador (Eva Pierrakos, 1935). Até pouco tempo eu não consiguia entender isto. Eu simplesmente não consiguia me desapegar daquele Deus externo que sempre me vigiou e que eu olhava para o céu quando orava a Ele. Eu O via como um Ser tão apartado de mim, tão fora do meu mundo como são meus pais e irmãos. Isso me incomodava e durante muito tempo tentei me desfazer dessa idéia inicial.

Certa manhã, enquanto caminhava na praia, refleti muito sobre este assunto. Penso que cheguei numa peça fundamental do nosso quebra-cabeça existencial: fomos separados de Deus há muitos séculos e obrigados a acreditar que para estar com Ele precisamos passar por muitos seres que fazem uma intermediação entre nós pobres mortais e Ele Luz eternamente criadora. Para que isso fosse conseguido de forma eficiente, os que sustentam esta teoria edificaram imensos templos cheios de mistérios e silêncios onde nos sentimos tão pequenos e indefesos que nunca ousaríamos pensar que somos espelhos do Divino.

Criaram também dogmas, leis, textos que foram martelados anos a fio até esculpirem em nossas mentes padrões de distanciamento... culpa, penitência, pesar... que nos fizeram acreditar que somos inferiores, nos afastando de nossa origem, materializando a vida e desprezando nosso próprio corpo, não reconhecendo nele o poder da Criação. Quantos morreram em nome destes dogmas?! Quanto poder econômico se construiu em nome destas crenças?! Quantas guerras são iniciadas em nome de Deus?! Percebi, então, que ainda somos todos vítimas deste processo criminoso. Eles conseguiram convencer você de que Deus é um Ser que mora longe de você e que para falar com ele você precisa olhar para o céu e imaginar que entre vocês dois há uma distância tão gigantesca que nunca será possível alcançá-lo. Não só eu acreditava nisso. Milhares de pessoas em todo o mundo acreditam ainda neste Deus que povoava a minha mente. Neste Deus vingativo e punitivo que nos corta as pernas toda vez que queremos saltar para o colo dele sem pagar pedágio aos guardiões das religiões.

Deus não criou estas leis. Quem as criou foram os homens. Os mesmos homens que transformaram a alegoria do inferno em algo palpável e a espalhou sobre a Terra e que nos ensinaram a valorizar a cobiça, que instigaram a inveja, o ódio, a competição feroz pelo ouro, a falta de ética e de amor pela natureza sob todas as suas formas e, sobre tudo a vigança e o não amor ao próximo. Nossa existência é divina, apesar de nossa insistência em ignorar nossa divindade. Ela, que é a inteligência, vê cada um de nós, ouve-nos e fala conosco de dentro de nós. Passamos pela vida formalizando apenas nosso raciocínio, nossa memória periférica, egóica, ignorando questões complexas que a razão não atinge... Se não temermos assumir o divino, a nossa história pessoal se realizará com harmonia e sincronicidade. Aí sim será possível compreender, saber e criar.

Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo

Autoconhecimento e auto-realização são os dois pólos sobre os quais gira toda a vida do homem. “Conhecereis a verdade” – disse o divino mestre “e a Verdade vos libertará.” O autoconhecimento, que é a base da auto-realização, não é possível sem uma profunda meditação. O próprio Cristo, antes de iniciar a sua vida pública, passou 40 dias e 40 noites meditando no deserto e, durante os três anos da sua vida pública, referem os Evangelhos, Jesus passava noites inteiras na solidão do deserto, ou no cume de um monte, em oração com Deus. O homem não é o seu corpo, nem a sua mente, nem as suas emoções, que são apenas o seu invólucro, o seu ego periférico.

O homem é o seu Espírito, a sua Alma, o seu Eu-central, e para ter plena certeza deve o homem isolar-se temporariamente de todas as suas periferias ilusórias, para ter a consciência direta e imediata da sua realidade central, isto é, meditar para encontrar consigo mesmo e com Deus. Quando o homem olha para si e compreende sua natureza divina assim como o Cristo ele se torna pleno. Analisar criador e criatura por este ângulo torna a compreensão da natureza do Cristo. Como ele mesmo disse: “Não sou eu que faço as obras, é o Pai em mim que fez as obras, de mim mesmo eu nada posso fazer”. Ou na linguagem de Paulo de Tarso: “Eu morro todos os dias, e é por isso que eu vivo, mas já não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim”. Ainda Cristo: “Se o grão de trigo não morrer, fica estéril, mas se morrer então produzirá muitos frutos”. O ego é simbolizado por um grão de trigo, ou uma semente qualquer , o Eu é a própria vida do gérmen, que está na semente. O gérmen vivo do Eu não pode brotar, se a casca do ego não se dissolver. Quem não tem a coragem de morrer voluntariamente, antes de ser morto compulsoriamente, não pode viver gloriosamente no mundo presente. É necessário que o homem morra para o seu ego estéril, para que viva o seu Eu Divino.

O divino mestre diz: “Orai sempre e nunca deixeis de orar”. Orar não quer dizer rezar, que é recitar fórmulas. Orar é abrir-se, deixar-se invadir pelo Infinito; isto, segundo os mestres, é orar. Esta meditação permanente, esta meditação atitude, de que fala o Cristo, tem que ser precedida por atitudes. Então compreenderá o homem o que o divino Mestre quis dizer com as palavras: “Orai sempre e nunca deixeis de orar”, isto é, ter sempre a consciência da presença de Deus (Infinito), mesmo sem pensar nada. Esse homem vai ser invadido, por assim dizer, pela alma do próprio Universo. Este universo não está fora dele, está no seu próprio centro, é a sua consciência central, o seu Eu, a sua alma, o seu espírito. As suas periferias vão ser invadidas pelo seu centro. Se o homem consegue esvaziar-se completamente de todo o seu ego humano, infalivelmente vai ser invadido pela alma do universo, que não está fora dele, mas dentro dele mesmo. Esta invasão é automática, mas o esvaziamento do nosso ego é nossa tarefa própria. E aqui está a grande dificuldade: o nosso ego não quer ser esvaziado das sua atividades, porque ele não sabe nada fora disto. A meditação, enquanto estilo de vida, ameniza os problemas da vida humana. O meditante sentirá, pouco a pouco, firmeza e segurança, paz e tranquilidade e uma profunda e permanente felicidade. Todos os problemas dolorosos da vida serão aliviados depois de encontrar consigo e ver a Deus.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Objetos Biográficos  x  Objetos de Status


Segundo Ecléa, no livro Tempo Vivo da Memóra (2003),nós, como forma de defesa, sempre criamos espaços expressivos como forma de nos distrair da realidade lá fora, ou da realidade “de dentro”. Coisas que que nos iludam da crueldade do mundo, ou até mesmo, de nossas angustias sócio/economicas. (Exemplo: Casa com arquiteturas belas, com quadros mostrando paisagens lindas, muros altos pra que não consigamos ver o mundo de fora o tempo todo...)

Segundo Violette Morin, pesquisadora e fonte de estudo de Ecléa, existem dois tipos de Objetos (materiais): Objetos Biográficos e Objetos de Status. Os Objetos Biográficos seriam aqueles que viraram parte da família (Álbum de fotos da família, medalhas de esportes adquiridos...). Os Objetos de Status são aqueles que existem para agregar valor (carros de luxo, castiçais caros, esculturas...)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

 A memória do trabalho manual de Gandhi: A marcha do sal



“... Ninguém tinha uma pitada de sal para pôr no arroz simples”. 


Gandhi se referia com isso ao monopólio do sal que o Império Britânico impusera no país. Para combater, ele empreendeu uma longa peregrinação, caminhando 24 dias até o mar. No dia 6 de Abril de 1930, encheu uma chaleira de água marinha, acendeu um fogo com um punhado de gravetos e pôs a ferver. Evaporada a água, recolheu do fundo um punhado de sal. Em todas as praias da Índia, acendeu-se milhares de pequenas fogueiras sob pequenas chaleiras.

O alcance político desse feito causou a prisão de Mahatma, já com 60 anos, e o espancamento e cadeia para seus seguidores, cujo crime consistira em produzir com as próprias mãos um saquinho de sal.


“A única revolução possível é dentro de nós”
 Não é possível libertar um povo, sem antes, livrar-se da escravidão de si mesmo. Sem esta, qualquer outra será insignificante, efêmera e ilusória, quando não um retrocesso. Cada pessoa tem sua caminhada própria.Faça o melhor que puder.Seja o melhor que puder.O resultado virá na mesma proporção de seu esforço.Compreenda que, se não veio, cumpre a você (a mim e a todos) modificar suas (nossas) técnicas, visões, verdades, etc. Nossa caminhada somente termina no túmulo. Ou até mesmo além...Segue a essência de quem teve sucesso em vencer um império...
                                                                                                                 Mahatma Gandhi




 Texto baseado no capítulo "O trabalho manual: Uma leitura de Gandhi" do livro "O tempo vivo da memória", de Ecléa Bosi.


A memória do trabalho manual de Gandhi: A roda de fiar 






Gandhi perguntou uma vez:

“De que tipo de serviço, as centenas de milhares de homens que povoam a Índia têm maior carência na época atual? Qual é aquele que pode ser facilmente compreendido e executado e que, ao mesmo tempo, auxiliaria a viver as multidões de meus compatriotas esfomeados?”

  O próprio Gandhi respondeu: trabalho manual. Na preparação para a militância, o trabalho manual foi uma das maiores armas do Mahatma para combater o Imperialismo inglês. A formação política, segundo Gandhi, propicia mediante esse treinamento corporal (que também é espiritual) e promove a libertação da servidão terrestre, a consagração ao serviço do próximo.

   O svadeshi, que significa serviço fraterno, poderia ser praticado através da roda de fiar que produzia o khaddar (tecido feito à mão). Tanto o svadeshi quanto o khaddar acabaram se tornando um símbolo de independência e de não-colaboração com as empresas estrangeiras. O svadeshi implicava a libertação da indústria, do objeto fabricado em série, do artigo estrangeiro, quando este supõe a desigualdade e a opressão.

  A Roda de fiar era a representação de vínculos que uniam Gandhi ao seu povo. Era o símbolo da luta contra o regime britânico. Não porque o artesanato possa substituir o sistema industrial, o que seria utópico nas circunstâncias atuais, mas porque o trabalho manual servia, no caso, de resistência, de combate ao sistema inglês através do trabalho, da não-violência. 

Texto baseado no capítulo "O Trabalho Manual: Uma leitura de Gandhi" do livro "O tempo vivo da memória", de Ecléa Bosi.

CULTO E ENRAIZAMENTO

CULTO E ENRAIZAMENTO
Canal de Comunicação

As práticas religiosas trazem elementos enraizadores e desenraizadores. Ecléa Bosi atenta para o fato  da divulgação de obras religiosas para as pessoas menos letradas, que ocorrem de forma simplificada, alterando a forma e o conteúdo. Forma clássicas da linguagem bíblica com a tradução de Ferreira de Almeida sofre alterações em expressões que se tornaram provérbios entre os pobres:
- Nem só de pão vive o homem.
-Quem com ferro fere com ferro será ferido.
- Pai afasta de mim este cálice.
- Bém-aventurados os que têm fome de justiça.
Novas versões da bíblia feita para os jovens trazem uma interpretação em forma de comentário, que para Ecléa Bosi distorce, simplifica, tira conotações de natureza moral ao seu bel-prazer.  

A MÚSICA

O canto de natal “Sobe a Jerusalém, Virgem oferente sem igual,
Vai, apresenta ao Pai teu Menino, luz que nasceu no tal”, reverbera em ações religiosas como o Sobe a Jerusalém, que só a mulher do povo conhece. A subida a Jerusalém com um criança no colo é uma forma de enraizamento.

A forma rimada dos versos e a música durante os cultos religiosos são elementos enraizadores, porque preservam a memória. A música é passada de geração a geração, não importando a inovação e as músicas descartáveis geradas pela consumismo. Os velhos se interessam em aprender as músicas novas, mas também querem cantas e transmitir os hinos antigos.

http://www.youtube.com/watch?v=V_RfWCNc9jo Hino da Harpa Cristã Tradicional de Igrejas Cristãs, elemento enraizador religioso.

Identidade Nacional Brasileira: A participação dos meios de comunicação

“As culturas nacionais, ao produzir sentido sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas.” (HALL, 1999)

Ter sido formado por diversos grupos étnicos, fez com que o Brasil apresentasse características culturais muito diferentes. Diante de tantas distinções, como construir uma identidade nacional? Segundo Luiza Delamare Quedinho, no seu artigo "A participação da mídia televisiva na construção da identidade nacional"os meios de comunicação de massa vai assegurar que a identidade brasileira seja concebida por todo o território nacional. E, ao conceber as culturas regionais de todo país, o brasileiro constrói um sentimento de pertencimento a identidade do país.

Vale lembrar que os meios de comunicação não são os únicos elementos representacionais da ideia de identidade nacional, mas é um importante veículo de identificação. Isso fica claro quando Quedinho afirma que a televisão, hoje, está presente em 100% do território nacional, já que existem aparelhos de televisão nos 5 560 municípios brasileiros. E, para 80% da população esta é a principal fonte de informação. Por ser tão presente nas casas brasileiras, a televisão influencia (da sua maneira) a forma como o povo se reconhece brasileiro.

Seguem os links de dois programas televisivos de massa, que tem como intuito representar a cultura brasileira:

O quadro do Fantástico, Me Leva Brasil:

* O artigo de Luiza Delamare Quedinho pode ser encontrado no link: 
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1404-2.pdf

MEMÓRIA - CULTURA E DESENRAIZAMENTO

CULTURA E DESENRAIZAMENTO

O enraizamento só se dá quando o indivíduo tem uma participação coletiva com valores no passado (memória), e perspectivas no futuro. Durante a Revolução Russa, o brado do povo era: “A terra para os camponeses”. Essa palavra de ordem enraizou os camponeses no processo revolucionário, porque apelava para um passado verdadeiro. Em contraponto, quando Hitler tentou incentivar o povo no mito do arianismo, tal ato não foi enraizador porque não se baseava em um passado verdadeiro.
Ecléa Bosi (2003) cita o Japão como exemplo de país com uma tradição antiga que não conseguiu enraizar seu povo. A industrialização desfigurou a natureza, com os mares envenenados e as cidades poluídas, mas a tradição não socorreu o povo.
Com o capitalismo, valores antigos, religiosos e artísticos se transformam em mercadoria para o turismo e propagandas para TV. Para Oscar Lewis (1947), o capitalismo consome e desagrega valores alcançados pelo coletivo, esvaziando o sentido das lembranças e aspirações.


DIVULGAÇÃO DA CULTURA

As populações desenraizadas são consideradas aculturadas. Daí se dá o processo de divulgação da chamada cultura de elite. O processo de divulgação comporta duas correntes: a primeira é que o povo deve apreender essa cultura e absorver os padrões oferecidos. A diversidade presente nas massas também é aproveitada pela elite. O chamado folclore para o consumidor de cultura: regionalismo nos EUA, a imagem do nordestino, o caipira, etc. A outra corrente acredita que é do povo que vem a salvação e procura lhe fornecer os meios para que ele salve a sociedade. A cultura está cada vez mais sob o domínio dos chamado “arqueólogos da tradição”. O conhecimento é detido dentro da universidade, como um privilégio, o que é criticado por Ecléa Bosi. A linguagem com a qual a cultura elitizada é estudada restringe a sua divulgação, para apenas enriquecimento de seus pesquisadores intelectuais.  Obras de arte, como Van Gogh, são utilizadas para obter status. No mundo capitalista, não se pensa a arte e cultura como os gregos e os povos da antiguidade pensavam. Simone Weil acredita que é preciso uma divulgação da cultura com uma linguagem acessível a todas as massas, e não só aos pesquisadores e arqueólogos da tradição, para que ela seja não só um objeto de enriquecimento intelectual,  mas uma forma de pensar a sociedade com o pensamento crítico. Muitas das nossas indagações são as mesmas dos povos antigos,  só que a preservação da memória se perdeu em detrimento do capitalismo.

Baseado no texto da autora Ecléa Bosi, no livro "O Tempo Vivo da Memória". (2003).

TEMPOS VIVOS, TEMPOS MORTOS



       Dentro da história cronológica existe a história memorativa. A história cronológica, seria justamente guiada pelo tempo cronológico (segundos, minutos, horas...), e o tempo memorativo, seria o tempo não cronológico, guiado pela percepção. O tempo memorativo é subjetivo, pois varia de pessoa para pessoa e de sensação para sensação. O Tempo Vivo seria aquele aproveitado, que fica guardado na memória, que é especial. Tempo Morto seria aquele considerado desnecessário, que não acrescenta, que você simplesmente perdeu, morto. Fazer uma Viagem para outro país, conhecer outras pessoas, aprender outras línguas, e se aventurar são exemplos de Tempos aproveitados, vivos. Passar horas na fila do banco e no ônibus lotado são exemplos de Tempos Mortos.
      Com o advento da industrialização e consequentemente o desenvolvimento tecnológico, ficou cada vez mais difícil de administrar o tempo (vivo). Hoje existem processos muito burocráticos; passamos muito mais tempo para nos locomover de um ambiente para o outro por conta do número excessivo de transportes nas ruas; internet, jogos, aplicativos tomam nosso tempo; o tempo com a família se tornou reduzido: Tudo isso colabora para o desperdício de tempo...

“A sociedade industrial multiplica horas mortas que apenas suportamos: são os tempos vazios nas filas, dos bancos, da burocracia, preenchimento de formulários...” (BOSI, Ecléa. O TEMPO VIVO DA MEMÓRIA, PAG. 24, 3º PARÁGRAFO. 2004.)

O sujeito como produto social

Se a subjetividade for liberdade e se esta é absoluta, como afirma o existencialismo de Sartre, então só poderia haver um único sujeito livre no mundo. Todos os outros seriam objetos onde o sujeito iria exercer a sua liberdade. Na relação que o outro mantém comigo, a sua liberdade se afirma à medida que a minha se anula: o outro tende a me determinar fazendo de mim um objeto. Muitos estudos sobre comportamento trazem juntos assuntos relacionados à subjetividade e liberdade, como o behaviorismo de Skinner. Skinner sugere que devamos investigar em que condições a vida subjetiva privatizada se desenvolve.
    Segundo Skinner, as experiências subjetivas não são imediatas, são sempre construídas pela sociedade. Tomarmos os outros como objetivos para afirmarmos nossa liberdade e sermos tomados como objeto para a afirmação da liberdade dos outros fazem parte das interações sociais e constróem o nosso "eu". Para Skinner, a crença de que nossas ações têm motivos internos é a última das superstições. A crença de que nossa consciência é a causa determinante de nossas ações deveria ser tratada como um último preconceito ou ignorância para Skinner. Aquilo que aparentemente mais nos pertence não é nosso, é apenas um produto social.
    A falta de essência inicial proposta por Sartre sugere que o sujeito se constrói a partir das experiências de sua vida, ou seja, aprenderá com as suas relações sociais. Interiorizamos o que está fora de nós. O sujeito é uma contínua construção, sempre e ao mesmo tempo, dele e dos outros.

Memória - O Que é Desenraizamento

Ecléa Bosi apresenta no livro O Tempo Vivo da Memória, 4 estudos sobre os escritos da filósofa francesa Simone Weil. Ecléa traça um paralelo entre a realidade brasileira e os escritos de Simone Weil sobre o Desenraizamento.

Para Simone Weil, o ser humano possui raízes pela sua participação na sociedade, quando se mantém preservados valores que estão no passado (memória), e pressentimentos para o futuro.
O desenraizamento acontece quando uma cultura, um povo, uma nação, perde suas raízes. A memória e a tradição podem ser suprimidas pela colonização, pela dominação de uma cultura sobre a outra, pela dominação econômica de uma região sobre outra, etc.   Ecléa exemplifica que no Brasil, a conquista colonial acontece sob as formas de monocultura e pastagens. O arrozal em Goiás foi avançando de forma de tão vertiginosa, que fez o lavrador entrar em processo de migração para o sul. A migração causa desenraizamento, o trabalhador migrante não tem mais a terra para cuidar. Na cidade grande, a sua fala é chamada de “código restrito”, assim como a sua religião é vista apenas como uma crendice ou folclore.


Desenraizamento Operário

O migrante é obrigado a trabalhar nas indústrias, que criam formas tecnicistas  e repetitivas, por si só desenraizantes. O trabalhador não tem consciência da finalidade daquilo que produz, experimentando a sensação da não consciência, do não existir. Ele vira um complemento da máquina, e todo o sentimento de identidade pessoal e recompensa pelo mérito aprendidos na escola, é perdido.
Assim como o trabalho operário, o desemprego também é desenraizante. Simone Weil exemplifica  o caso do proletariado alemão, que era o mais avançado da europa em termos de consciência.  O desemprego provoca o desgaste, acaba com a disposição dos trabalhadores projetarem um futuro melhor para si e para sua classe. Muitos desses trabalhadores foram os primeiros a irem para os campos de concentração . 
“O desenraizamento por excelência é a ignorância do trabalhador em relação ao destino das coisas que fabrica. Qual seu valor e utilidade social? A que necessidades humanas ele atende? O que os  outros homens devem agradecer-lhe? (Ecléa Bosi, 2003).






A Filosofia Cristã

Desde o princípio, o cristianismo sempre buscou se firmar como filosofia. Filosofia essa que tentava responder as questões do mundo através da mistura entre ciência e religião. A filosofia cristã bebeu muito da fonte dos hebreus, com a sustentação da fé e os ensinamentos de Jesus, mas sempre sentiu-se a necessidade de se firmar como pensamento humanamente coerente advindo dos gregos.

Apesar de questionarem a originalidade do pensamento cristão em relação ao grego, podemos citar algumas questões que o diferem, como por exemplo o "Lógos". Para os gregos o "lógos" era um instrumento de conhecimento da realidade em um esforço para encontrar seu lugar no cosmos, já que se entendiam como fazendo parte da natureza. Era o amor, Eros, o desejo que animava a busca para alcançar a virtude máxima, o Bem supremo e a perfeição do inteligível puro, porém inatingível. A esse impulso erótico, contrapõe-se o amor cristão, o Ágape, a caridade, o amor de Deus-criador para com suas criaturas, pois Ele é perfeito e necessário, criou as coisas por causa do Bem que provém Dele, gratuitamente. Deus é o próprio "Lógos", o Verbo que se revela como aquele que é (essencial e existencialmente) como princípio do universo e única fonte de sabedoria e verdade das coisas, dos homens e do mundo que são criadas por vontade de Deus.
Nos primeiros 7 séculos de existência do cristianismo a filosofia vigente foi a Patrística, que teve como principal pensador Santo Agostinho, que tomou o pensamento de Platão como base para seu olhar, para ele para se alcançar o mundo divino (mundo perfeito[mundo das ideias de Platão]), era preciso seguir o caminho da fé. Nesse período foi elaborado a doutrina das verdades de fé do cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos "pagãos" e contra as heresias, como também, a difusão, a consolidação e a constituição do cristianismo. É a patrística a filosofia responsável pela elucidação progressiva dos dogmas cristãos e pelo que se chama hoje de Tradição Católica.

Para continuar o trabalho de adequar a herança do pensamento filosófico clássico às verdades teológicas, surge a Escolástica que teve seu auge com São Tomás de Aquino que tenta compatibilizar um sistema com o aristotelismo juntamente com o cristianismo no século XIII. Com a fundamentação no pensamento de Aristóteles, Tomás resgata a metafísica, a lógica, a científica, a filosófica da obra de pensador grego. Uma das principais preocupações dos filósofos medievais era fornecer argumentações racionais, espelhadas nas contribuições dos gregos, para justificar as chamadas verdades reveladas pela igreja, tais como a da existência de Deus, a imortalidade da alma. Nesse período, a Igreja Católica consolidou sua organização religiosa e difundiu o cristianismo, preservando muitos elementos da cultura greco-romana. É a época feudal, em que a Igreja Católica surge como força espiritual, política, econômica e cultura. Nesse período surge propriamente a filosofia cristã, a teologia. Seu tema principal é a prova da existência de Deus e da imortalidade da alma ou seja, a prova racional da existência do criador e do espírito imortal, com o propósito de explicar a relação homem e Deus, razão e fé, corpo e alma, e o Universo como hierarquia de seres, onde os superiores - divinos - dominam os inferiores. Baseados no aristotelismo, os argumentos de São Tomás revalorizam o mundo  natural, pois o mundo natural é criação de Deus. É assim que podemos conhecer Deus: por meio de sua criação, o mundo natural. Isso justifica o interesse pela investigação científica do mundo natural que surge na época e vai transformar a Europa nos séculos seguintes. 

Religião: Futebol.

(...) – Então posso constar no questionário do censo que o senhor é ateu? O senhor se importa?
– Claro que me importo! Não sou ateu. Sigo a minha religião, que é o futebol, como já te disse. É na redondinha que eu acredito. Toda minha fé num gol!
– Bom, o senhor me perdoe novamente. Mas vou ter que constar no levantamento do censo que o senhor não possui religião.
– Meu amigo, você já foi a um jogo de futebol?
– Sim, senhor.
– Mas a um jogo lotado, estádio cheio, torcida vibrando. Já foi?
– Sim, já fui.
– E pelo visto você tem um time, estou certo?
– Sim, tenho.
– E costuma acompanhá-lo sempre, até ir nas partidas você vai.
– Sim, sempre que possível, eu vou.
– E não se importa de pagar ingresso, certo? Mesmo caro do jeito que está.
– Não...
– Então vai me dizer que um negócio que tem templos e milhões de seguidores fiéis não é religião?
– É... Talvez o senhor tenha mesmo razão...(*) (**)

É com esse diálogo que elucidamos algo que está presente não somente aqui no Brasil, mas em grande parte do mundo: o poder Sagrado que o futebol tem. Apesar de bastante controverso, ninguém pode tirar do futebol o valor que ele tem. O valor de dar uma perspectiva de um futuro melhor a milhões de crianças moradoras de locais indignos a vida, o valor de uma ascensão social, o valor da possibilidade de saída da miséria, o valor, nem que seja momentâneo, de um pouco de alegria, ou pelo menos fugir da realidade.

Muita pessoas acompanham seus times de futebol como verdadeiras procissões religiosas, tratam seus uniformes como "mantos sagrados", se enchem de fé para ver seu time ganhar um jogo, fazem promessas aos céus para um título de campeonato, tratam jogadores como verdadeiros deuses. Existe até o termo "deuses do futebol" aqui no Brasil. Já na Argentina, por exemplo, foi criada a Igreja Maradoniana, em homenagem a Armando Diego Maradona, maior futebolista do nosso país irmão. Foi fundada em 1998 na cidade de Rosário. Resolveram considerar a data de nascimento de Maradona como Natal. A partir disto criaram uma igreja com orações e mandamentos, com seguidores cadastrados em vários países. Argentina, Espanha e México são, respectivamente, os países com o maior número de fiéis. A religião tem o tetragrama sagrado, D10S, que mistura a palavra em espanhol para Deus (Dios) com o D de Diego e o 10 da sua camisa. Já no nosso país mãe, Portugal, o jogador Mário Coluna era alcunhado de "Monstro Sagrado". E há outros exemplos espalhados pelo mundo, como a passagem do troféu da Copa do Mundo por lugares quase inóspitos um pouco de felicidade.

 Por fim, podemos citar os amistosos criados para difundir algo bom pelo mundo. Como por exemplo o amistoso que ficou conhecido como o "Jogo da Paz", em 2004, entre a seleção brasileira então campeã do mundo e a seleção do Haiti, local do jogo que sofria com uma guerra civil. E tanto outros jogos de caráter humanistas que aconteceram pelo mundo.

*Título tirado do livro homônimo de cartuns sobre futebol do cartunista e escritor argentino Roberto Fontanarrosa.

**http://www.gazetadopovo.com.br/blog/populares/?id=1094065

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

INVISIBILIDADE PROFISSIONAL

Numa sociedade em que a hierarquia social também é presente no ambiente de trabalho, nota-se que diversos profissionais que contribuem para a manutenção do nosso sistema são simplesmente ignorados e tratados como invisíveis. 

Esse Outro é negado por exercer funções que exigem baixo grau de complexidade/escolaridade e que pessoas das camadas mais altas da sociedade não executariam.

Profissões como gari, zelador, garçom, faxineiro, zelador, porteiro, motorista e cobrador de ônibus, frentistas etc. são exemplos básicos de profissionais presentes no nosso cotidiano que são facilmente ignorados pelas pessoas e que muitas vezes a única característica notada neles é o uniforme vestido.
Baseado nesse contexto, o designer Murilo Bispo criou um trabalho chamado "Persona Invisible" em que ele retrata a forma como alguns profissionais são tratados por grande parte de nossa sociedade.
Segue o link do trabalho:
https://www.behance.net/gallery/Persona-Invisible/8875431

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

“Respeitem Meus Cabelos, Brancos”



A música: “Respeitem Meus Cabelos, Brancos” do cantor e compositor paraibano Chico César, que através da sua música apresenta um discurso forte de fortalecimento da cultura visual e da identidade cultural dos negros. Ao utilizar uma vírgula para separar as palavras cabelo e branco no título da música, Chico Cesar recria uma expressão bastante conhecida no Brasil e demostra uma outra condução interpretativa a expressão, que remete a valorização da cultura afro no Brasil e da luta contra o racismo.
A música tem um “teor” de denuncia, com uma fala político-musical, apresentando atitudes de fortalecimento da identidade visual negra como “pixaim”, assumindo um discurso contra o racismo e de incentivo a atitudes por partes dos brancos em respeito a cultura negra.
"A construção da identidade negra está associada a usos específicos do corpo (negro), e isso a distingue da maioria das outras identidades étnicas. Por um lado, a aparência ‘negra’ e a exibição de gestualidade ‘negra’ têm sido associados a certos comportamentos, empregos e posições sociais. Por outro lado, a aparência física, o porte e os gestos também têm sido o meio pelo qual os negros, como população racializada, reconhecem a si mesmos e, na tentativa de reverter o estigma associado à negritude, tentam adquirir status e recuperar dignidade". (Sansone, 2007, p. 24).
Ao cantar sobre os cabelos, um elemento importante de diferença étnico-racial, o autor da canção apresenta os cabelos como um elemento de valorização da cultura negra, geralmente associado como cabelo "ruim", os cabelos dos negros é um componente que faz parte da estética e se apresenta como uma afirmação da identidade visual e comportamental como uma forma de resistência ao racismo.

Esse tipo de manifestação utilizando a música como discurso promove e preserva a identidade cultural resultante da influência da  raça negra na construção da sociedade brasileira, de maneira a incentivar e  potencializar a participação do negro no processo de desenvolvimento, a partir de sua história e sua cultura.

" A felicidade do negro é uma felicidade guerreira" 
Wally Salomão

Maria Amanda